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Como bancos centrais se preparam para as mudanças climáticas

Nos últimos anos, eventos climáticos extremos foram responsáveis por uma série de danos à economia pelo mundo. Dentre os efeitos comuns, há a alta na inflação, especialmente por conta de perdas na agricultura. Diante deste cenário, que afeta especialmente as metas da política monetária, economistas debatem se os bancos centrais devem incluir as mudanças climáticas em suas políticas.

O tema divide opiniões e banco centrais pelo mundo. O Banco Central Europeu (BCE) é uma das grandes instituições que adotou passos no caminho de combater as mudanças climáticas, enquanto o Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA) é mais reticente.

Em um evento em junho deste ano, a presidente do BCE, Christine Lagarde, reconheceu que as alterações climáticas afetam a inflação, esta que chamou de a "besta que todos os banqueiros centrais querem domar e disciplinar”. Normalmente, as autoridades monetárias estabelecem o chamado duplo mandato, que prevê a estabilidade de preços – comumente contida em uma meta de inflação – e o estímulo à atividade econômica.

O BCE assumiu o compromisso de limitar a quantidade de ativos intensivos em carbono que as instituições financeiras podem utilizar como garantia quando contraem empréstimos. Além disso, a autoridade também se comprometeu a descarbonizar os seus próprios ativos, e sugeriu que poderia implementar um esquema de empréstimos verdes.

Em 2023, ondas de calor em todo o mundo custaram cerca de 0,6% do PIB global, de acordo com cálculos da seguradora alemã Allianz. O custo das condições meteorológicas extremas chegou a até 1,3% do PIB no caso da China, de acordo com relatório da empresa, que destaca o impacto inflacionário das secas na produção alimentar.

No Brasil, o Banco Central adotou recentemente algumas medidas na área, principalmente visando impulsionar ativos com critérios ESG (sigla em inglês para governança ambiental, social e corporativa) para fazer frente ao tema.

Por sua vez, parte dos especialistas argumenta que a questão não deve ser atribuição de bancos centrais, enquanto alguns são céticos sobre as capacidades que tais autoridades terão para combater as mudanças climáticas.

Divisão no grande palco

Realizado anualmente em agosto nos Estados Unidos, o chamado Simpósio de Jackson Hole é reconhecido como o grande palco para as discussões de banqueiros centrais. Na edição deste ano, especialistas criticaram a falta de abordagem do tema, especialmente por parte do banco central norte-americano, que organiza o evento.

Na visão de Lukas Krebel, economista sênior da Fundação New Economics, o Fed tem sido lento na abordagem dos riscos das alterações climáticas. Para ele, o fato de o BCE e alguns outros bancos centrais reconhecerem a importância das ameaças relacionadas com o clima e terem começado a tomar medidas para tornar as suas políticas mais ecológicas, estabelece um precedente para que o banco norte-americano tenha de agir.

"As alterações climáticas são um risco sistémico e, se não forem mitigadas, conduzirão a danos devastadores e potencialmente irreversíveis”, afirma Krebel. "Ao não tomarem medidas decisivas agora, os governos e os bancos centrais estão expondo suas economias a riscos físicos cada vez mais graves – como incêndios florestais, secas e inundações”, indica o economista. 

"Este agravamento dos impactos prejudicará a estabilidade financeira e de preços, violando assim os mandatos fundamentais dos bancos centrais e dos supervisores se estes não agirem de forma rápida e decisiva”, avalia.

Exemplo argentino

Recentemente, o Banco Central da República Argentina (BCRA) lançou uma avaliação da exposição do sistema financeiro aos riscos vinculados às mudanças climáticas. No começo do ano, uma forte onda de calor no país gerou uma série de incêndios, o que, somado a uma seca histórica, teve graves repercussões econômicas. As estimativas são de que a Argentina tenha perdido cerca de um terço de suas principais exportações agrícolas à época.

Além da inflação, a menor entrada de moeda estrangeira levou a uma maior desvalorização do peso argentino. A moeda mais fraca contribuiu ainda mais para a escalada inflacionária que o país vive, com o índice de preços local subindo mais de 100% com relação a 2022 durante quase todo 2023. Buscando conter a disparada dos preços, o BCRA elevou sucessivamente suas taxas de juros, que hoje estão em 118%, um patamar impensável na maioria dos países.

Limites para a ação

Por sua vez, há uma forte corrente cética sobre a capacidade dos bancos centrais atuarem no tema. Na visão de Jay Cullen, professor da Universidade de Edge Hill, e especialista em regulamentação financeira, os mandatos destas autoridades não permitem a tomada de quaisquer medidas especiais para fazer face aos riscos das alterações climáticas.

Em sua visão, os gestores públicos devem "compartilhar o risco dos investimentos verdes com a iniciativa privada”. Já os bancos centrais deveriam estar dispostos a comprar títulos verdes emitidas por empresas patrocinadas pelos governos que investem na mitigação ou adaptação às alterações climáticas.

Por exemplo, poderia haver refinanciamento de longo prazo de empréstimos comerciais para projetos de infraestruturas verdes a 0% ou até taxas fixas negativas. Dentre as possibilidades, ele cita projetos no setor de energia sustentável, o que tenderia a estimular a transição energética.

Brasil na vanguarda

Cullen afirma que observa o caso brasileiro há anos, e que o Banco Central está "na vanguarda destes movimentos”. Segundo a avaliação da iniciativa Green Central Banking, que mapeia estas ações ao redor do mundo e faz um ranking entre os integrantes do G20, o Brasil chegou a ocupar a segunda posição entre os países com melhores iniciativas neste campo.

Para Krebel, uma recente decisão do Banco Central de exigir que os bancos prestem contas de potenciais perdas relacionadas com as alterações climáticas é um movimento positivo e deverá ajudar no estabelecimento de melhores práticas de gestão de risco.

Apesar dos avanços, os analistas ponderam os efeitos das práticas. Krebel lembra que a "parte crucial de qualquer regulamentação” é a aplicação de controles robustos para evitar os riscos do chamado "greenwashing”, que é quando os critérios ESG são usados para esconder práticas potencialmente negativas das empresas.

Seguindo o teor de cobrança, na última atualização do Green Central Banking, o Brasil caiu para a sexta posição, devido ao "progresso relativamente lento na implementação dos seus compromissos formais”.

 "As autoridades devem ir mais longe – como impor requisitos máximos de capital no desenvolvimento de novos projectos de combustíveis fósseis”, sugere Krebel. Outra opção é tornar os ativos com elevado teor de emissão carbono inelegíveis para operações monetárias, afirma o economista.

O atual governo já sinalizou que uma gama ampla de investimentos na transição energética - desde biocombustíveis e hidrogénio verde até à captura e armazenamento de carbono - poderá qualificar-se para benefícios fiscais no mercado de títulos privados.

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