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Um país viciado no smartphone

Imagem mostra mão segurando smartphone para acessar diferentes aplicativos, como YouTube, WhatsApp e Facebook
"Os brasileiros passam cerca de seis dias por mês olhando para o celular. Esse tempo é, na maioria das vezes, perdido, pois não serve para crescimento pessoal ou profissional, mas para a busca por dopamina."Foto: Yui Mok/empics/picture alliance

De duas a três vezes por semana, vou de bicicleta até um mirante popular no Rio de Janeiro. Fica abaixo do Corcovado, e de lá se tem uma vista fantástica do Rio. O lugar é movimentado especialmente nos feriados e fins de semana. Não só cariocas, mas centenas de visitantes de todas as regiões do Brasil vão até lá: famílias, casais, grupos organizados. Duas coisas me impressionaram nos últimos anos: primeiro, quantos brasileiros estão acima do peso ou até obesos, incluindo um número alarmante de crianças. Em segundo lugar, vi confirmada a piada de que o brasileiro nasce com dois braços, duas pernas e um smartphone nas mãos.

Poucos chegam ao mirante para apreciar a vista do mar, da baía, das montanhas, da cidade ou da Floresta da Tijuca, para se deixar encantar pelo local e sua atmosfera sublime. Muitos chegam já com o smartphone na mão, filmando, e não veem mais o local com os próprios olhos, mas pela tela do celular.

Quem não está filmando, começa imediatamente a tirar fotos. O que é fotografado não é a paisagem, mas sim as próprias pessoas. Posam, colocam um sorriso artificial, procuram o melhor lugar para tirar centenas de selfies. Mulheres e homens jovens dão rédea solta à sua vaidade. Logo depois, eles vão embora – sem ter visto nada. Ainda no caminho para baixo, alimentarão suas redes sociais com fotos com filtro, esperando conseguir o máximo possível de corações, curtidas e comentários positivos, que vão checar minuto a minuto.

Vício em dopamina

Quem recebe atenção, incentivo e confirmação – mesmo que apenas virtual – produz dopamina. A substância é responsável por estados de excitação e também é incorretamente chamada de "hormônio da felicidade". Acostumar-se com uma dose alta de dopamina é como se acostumar com uma dose alta de açúcar ou álcool. Sem ela, a pessoa tem a sensação de que está faltando alguma coisa e faz de tudo para consegui-la.

Milhões de pessoas se acostumaram a receber constantemente novos estímulos em intervalos cada vez mais curtos. É por isso que estão constantemente olhando para seus telefones e que não conseguem mais se concentrar em tarefas mais longas e complexas, textos, conversas e discussões. Ou numa bela paisagem, vista apenas pelo celular.

O problema existe em todo o mundo. Mas no Brasil ele é particularmente virulento. Enquanto o alemão médio passa duas horas e meia todos os dias olhando para o celular, o brasileiro olha para o aparelho quase cinco horas e meia por dia, quer dizer, mais que o dobro do tempo. Ao lado da Indonésia, esse é o maior volume de utilização de celulares do mundo, de acordo com um estudo baseado em dados da iOS App Store, Google Play e outras lojas online.

Jovens precisam de ajuda

Isso significa que os brasileiros passam cerca de seis dias por mês olhando para o celular. Esse tempo é, na maioria das vezes, perdido, pois não serve para crescimento pessoal ou profissional, mas para a busca por dopamina. O problema é maior entre os jovens. Das cerca de 28 mil pessoas entre 15 e 29 anos entrevistadas numa pesquisa, 27% disseram que poderiam ficar sem celular por no máximo 24 horas. Já 11% disseram que conseguiriam por no máximo 6 horas, enquanto 3% disseram que se sentiram desconfortáveis após 30 minutos sem o celular. Basicamente, esses jovens precisam de ajuda, porque seus cérebros estão se desenvolvendo de maneira totalmente errada.

Felicidade é ter passado o dia inteiro com os amigos, se divertir, ser criativo, descobrir coisas novas, sair de casa e cair na cama à noite exausto e cheio de impressões. Quem passa o dia todo na frente do celular, rolando a tela e buscando autoafirmação, vai dormir estressado, insatisfeito e vazio porque não viveu nada verdadeiro, mas seguramente viu muita ninharia, horror, besteira, publicidade, fake news e muito mais que provavelmente esqueceu imediatamente.

No Brasil, está crescendo uma juventude que acredita que atenção é sucesso e que esse sucesso pode ser conquistado sem esforço e apenas com aparências. O problema é particularmente evidente entre os jovens sem oportunidades educacionais e perspectivas no mercado de trabalho. Frequentemente, eles tentam chamar a atenção com sua aparência e seus corpos, coisa para a qual diversas plataformas lhes dão ampla oportunidade.

Tecnologia à frente do cérebro humano

Quando desenvolvedores de empresas de tecnologia americanas ou asiáticas criam novos aplicativos, eles conversam com psicólogos e neurologistas. Por quê? Porque o objetivo deles é tornar os usuários de um aplicativo emocionalmente dependentes. Não é sem razão que o governo da China introduziu um limite para o aplicativo Douyin, a versão do TikTok utilizada na China. O uso do aplicativo por crianças menores de 14 anos é limitado a 40 minutos por dia. 

Quando deixei de seguir uma amiga brasileira no Instagram porque não estava interessado em suas selfies de biquíni, ela imediatamente me escreveu indignada, perguntando por que não a seguia mais. Existe um aplicativo que mostra quem deixou de seguir você no Instagram! 

Jovens acostumados a receber atenção e aprovação constantemente têm baixa tolerância a críticas e não são mais capazes de argumentar. Eles imediatamente se sentem atacados e ofendidos. Basta que não chamem atenção por um momento para que seu mundo desmorone.

Fala-se atualmente sobre o perigo de uma juventude digitalmente negligenciada. Isso está longe de ser um problema brasileiro, mas é particularmente grande por aqui. Carl Sagan, o astrofísico profético, previu algumas décadas atrás que os desenvolvimentos tecnológicos aconteceriam mais rápidos do que o desenvolvimento de nossos cérebros. Não somos mais capazes de diferenciar entre o que parece bom e o que é bom e verdadeiro.

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Philipp Lichterbeck queria abrir um novo capítulo em sua vida quando se mudou de Berlim para o Rio, em 2012. Desde então, colabora com reportagens sobre o Brasil e demais países da América Latina para jornais da Alemanha,Suíça e Áustria  Ele viaja frequentemente entre Alemanha, Brasil e outros países do continente americano. Siga-o no Twitter em @Lichterbeck_Rio.

O texto reflete a opinião do autor, não necessariamente a da DW.

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