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Artigo - Presença de George Orwell

 

Marcel Solimeo. economista-chefe da Associação Comercial de São Paulo, escreveu um artigo publicado pelo Diário do Comércio intitulado "Instituições e anomia"[2], destacando a importância do respeito às instituições para o desenvolvimento de qualquer país e alertando para os sucessivos casos de desrespeito às instituições que tem ocorrido no Brasil. Ao longo do artigo, Solimeo faz referência a consagrados filósofos políticos de diferentes tendências como o alemão Ralf Dahrendorf e o italiano Antonio Gramsci para ilustrar trechos de sua argumentação.

 

Em síntese, Solimeo externa sua preocupação com a constante quebra das regras do jogo (como pode ser chamado o conjunto das instituições formais e informais) por parte de autoridades constituídas, em especial dos poderes Executivo e Judiciário, trazendo incerteza tanto  para pessoas físicas como pessoas jurídicas que se sentem inseguras para tomar decisões no dia a dia.

 

Confesso que minha inquietação aumentava à medida que lia o artigo de Solimeo, tal o volume de exemplos que iam sendo apresentados e, simultaneamente, pelos casos não citados mas que fazem parte cada vez mais do nosso cotidiano nas diversas áreas de atividade: na política, na economia, na educação, na comunicação etc.

 

Passei também a sentir falta da referência ao nome de outro grande intérprete do mundo contemporâneo, George Orwell, autor de duas das maiores joias em minha opinião da ficção política, A revolução dos bichos[3] e 1984[4].

 

No primeiro, Orwell faz uma sátira à propalada busca da igualdade nos regimes totalitários a partir de uma fazenda hipotética em que os animais se rebelam e assumem o controle no lugar dos humanos. Com o passar do tempo, os exemplos de tratamento desigual utilizados por eles para tomar a  fazenda do antigo dono, Sr. Jones, e assumir a gestão da fazenda vão se tornando cada vez mais comuns. Para justificar suas ações, os porcos, que ocupam o lugar mais alto na hierarquia do poder, utilizam a máxima "todos os animais são iguais, mas alguns são mais iguais do que os outros". Impossível não lembrar disso quando vemos o tratamento diferenciado dado a tantos brasileiros por defenderem ideias que contrariam sobretudo alguns juízes do Supremo Tribunal Federal.

 

No segundo, Orwell apresenta num romance distópico diversas formas de controle absoluto da sociedade por meio de um ditador (Grande Irmão), que se utiliza de todos os meios para exercer o poder sem sofrer qualquer tipo de contestação por parte da população amedrontada e acuada. Entre esses meios, encontram-se a teletela, a duplifala/duplipensar e a novilíngua, mecanismos de controle do pensamento que usam, de forma  combinada, a tecnologia e a retórica, para atingir seus objetivos.

 

Foi imediata minha associação a tudo isso quando me deparei com o seguinte trecho do artigo de Solimeo: "Invasão de propriedades, crime configurado no Código Penal, passa a ser tratado como “ocupação”. Invasores são chamados de “sem terra”, como a sugerir que eles têm um direito a terra, embora grande parte deles seja de origem urbana, e uma parcela cada vez maior da população brasileira seja “sem terra”, na medida em que o país se urbaniza. Grupos que agridem o direito de propriedade e, muitas vezes, até a integridade física de outros, são considerados “movimentos sociais” e suas agressões tratadas como “reivindicações de excluídos”.

 

Juntando a tudo isso a ditadura do politicamente correto, concluo estar de pleno acordo com o colega Rubens Figueiredo, que, em recente artigo neste mesmo espaço[5], escreveu: "Entramos no estranho túnel no qual é necessário “concordar” ou “discordar” do conteúdo dos versos em vez de admirá-lo. [...] Vai ficando tudo muito chato. Uma vez perguntaram a Freud – esse mesmo que falava mal das mães – se o charuto que ele costumava fumar não seria um símbolo fálico, segundo sua própria teoria. Ele respondeu: “Às vezes um charuto é apenas um charuto”.

 

Seria ótimo se tudo se resumisse à atual situação ser considerada chata ou desagradável. Porém, o problema do constante desrespeito às instituições e do frequente tratamento desigual dado a indivíduos supostamente iguais conduz a um risco muito maior, como lembra Solimeo ao encerrar seu artigo citando Levstiky e Ziblatt, que, em seu livro Como as democracias morrem[6], mostram que a morte das democracias é um processo gradativo e lento, mas se não houver reações, se tornará inexorável.

 

A ameaça torna-se ainda maior se pensarmos nos esforços de controle social da mídia (expressão usada na novilíngua em lugar de censura), retomados vigorosamente desde que o governo do PT voltou ao poder. Atualmente, está em tramitação no Congresso a Lei das Fake News. Sua eventual aprovação representaria  algo muito próximo do Ministério da Verdade, equivalente ao existente no 1984 de Orwell. O referido ministério definia o que se podia falar ou pensar e reescrevia a história regido pela máxima "quem domina o passado domina o futuro; quem domina o presente, domina o passado".



Luiz Alberto Machado - Economista, mestre em Criatividade e Inovação pela Universidade Fernando Pessoa (Portugal), ex-presidente do Corecon-SP e assessor do Espaço Democrático.

[2] SOLIMEO, Marcel. Instituições e anomia. Diário do Comércio, 28 de abril de 2023. Disponível em https://dcomercio.com.br/publicacao/s/instituicoes-e-anomia.

[3] ORWELL. George. A revolução dos bichos. Tradução de Heitor Aquino Ferreira. São Paulo: Globo, 2003.

[4] ORWEL, George. 1984. Tradução de Wilson Velloso.17 ed. São Paulo: Ed. Nacional, 1984.

 

[5] FIGUEIREDO, Rubens. Sensor desregulado.  Disponível em https://espacodemocratico.org.br/artigos/sensor-desregulado/.

[6] LEVITSKY, Steven; ZIBLATT, Daniel. Como as democracias morrem. Tradução de Renato Aguiar. Rio de Janeiro: Zahar, 2018.

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