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Artigo - Canto da sereia

 

A sereia é uma figura mitológica presente em diversas culturas. Trata-se de uma criatura híbrida (metade mulher, metade peixe), reverenciada por sua beleza e dotada de um canto hipnotizante, características que a fazem possuir enorme poder de persuasão. 

Segundo a mitologia grega, as sereias eram belíssimas. O problema é que sua beleza e seu canto maravilhoso atraíam os marinheiros para os rochedos. Seduzidos pelas vozes belas, mas traiçoeiras, os marujos naufragavam. 

Numa analogia dos mares com o mundo real, o canto da sereia é representado pelo discurso que encanta, ainda que, muitas vezes signifique uma terrível armadilha. 

Depois de quase trinta anos de relativa estabilidade monetária, os brasileiros voltam a conviver com preocupações decorrentes do aumento generalizado dos preços, que é o que caracteriza a inflação. 

No Brasil, a convivência por décadas com uma inflação crônica e elevada deixou como legado uma cultura inflacionária que não foi eliminada por completo nos anos de relativa estabilidade que se seguiram à implementação do Plano Real em 1994. Desse legado, talvez o aspecto mais preocupante seja a manutenção da prática da indexação, verificada não apenas no plano formal, mas também no informal. 

É o que temos observado no presente momento. À indexação formal, representada pelos reajustes que seguem contratos, como aluguel, escola e plano de saúde ou autorizados pelo governo, como combustível e energia, soma-se a indexação informal, que turbina preços pelos aumentos de custos incorridos por parte de diferentes prestadores de serviços. Naturalmente, nesse cenário, outro fator volta a ter peso decisivo nesse jogo, que é o da expectativa, em consequência da percepção, pelos agentes, de que o Banco Central está com dificuldade para exercer o seu papel de guardião do valor da moeda, dificuldade agravada por fatores externos, como a guerra na Ucrânia, que contribuem para que haja forte pressão de preços vinda do atacado para o varejo, cujo melhor exemplo é o forte impacto do aumento do preço dos combustíveis que se espalha por diversas cadeias produtivas em função de sua irradiação via custos de transporte. 

Lamentavelmente, não fomos capazes de eliminar de vez a prática da indexação durante os anos de estabilidade, quando a conjuntura se apresenta mais favorável a isso. Evidentemente, com a volta da inflação à casa dos dois dígitos, fica mais difícil buscar a eliminação, uma vez que os agentes econômicos, compreensivelmente, tendem a adotá-la com o objetivo de defender seus interesses ameaçados pela inflação. É o que temos observado no presente momento. À indexação formal, representada pelos reajustes que seguem contratos, como aluguel, escola e plano de saúde ou autorizados pelo governo, como combustível e energia, soma-se a indexação informal, que turbina preços pelos aumentos de custos incorridos por parte de diferentes prestadores de serviços.

Não é de estranhar, nesse contexto, o ressurgimento de apelos, aqui e ali, em favor da adoção de mecanismos de controle de preços, tais como tabelamentos e/ou congelamentos, que tantos prejuízos causaram à economia brasileira por ocasião dos planos heterodoxos adotados da segunda metade da década de 1980 aos primeiros anos da década de 1990 (Planos Cruzado I e II, Bresser, Verão, Collor I e Collor II). Mais recentemente, tivemos oportunidade de testemunhar os estragos produzidos por políticas dessa natureza por ocasião do governo de Dilma Rousseff, que, no afã de garantir sua reeleição, rebaixou e congelou as tarifas de energia e, paralelamente, travou o repasse do custo do barril do petróleo sobre os combustíveis vendidos no mercado interno. Como resultado, tivemos dois anos seguidos com crescimento negativo de 3,5% ao ano, na maior recessão da nossa história, sem que houvesse qualquer crise internacional ou pandemia que justificasse tal desempenho. 

Como a memória é curta, tais apelos acabam sendo replicados por figuras públicas que enxergam nessas práticas formas de agradar parcelas da população que, ingenuamente, acreditam que eventuais benefícios artificiais passageiros possam ter efeito prolongado na economia, num excelente exemplo de canto da sereia. 

Como observou Antonio Cabrera, ex-ministro da Agricultura no governo Collor: “Ao longo da história, ditadores, déspotas e políticos de todos os naipes viram nos controles de preços uma forma suprema de prometer ao público ‘alguma coisa em troca de nada’. Tabelar os preços sempre teve a mesma consequência: o comerciante tende a deixar de negociar o produto tabelado porque terá prejuízo; então restringirá a oferta, buscará outros ramos de atuação (de produtos não tabelados), e o consumidor acaba com o prato vazio”. 

John K. Galbraith, um dos maiores economistas do século XX, conhecido por suas frases irônicas e bem humoradas, afirmava que “o tabelamento de preços é como o segundo casamento: é a vitória da esperança sobre a experiência”. 

Não bastassem os péssimos resultados obtidos no combate à inflação, tais políticas significam o aumento da intervenção governamental na economia, aspecto que, frequentemente, favorece a expansão da corrupção. 

Encerro este artigo sugerindo a leitura de um livro de autoria de Robert Shuettinger e Eamonn Butler que, infelizmente, só é encontrado em sebos, por não ter sido reeditado no Brasil. Seu título: Quarenta séculos de controles de preços e salários. Seu subtítulo: O que não se deve fazer no combate à inflação (São Paulo: Visão, 1988). 



Luiz Alberto Machado -  Economista, graduado em Ciências Econômicas pela Universidade Mackenzie, mestre em Criatividade e Inovação pela Universidade Fernando Pessoa (Portugal), é sócio-diretor da empresa SAM - Souza Aranha Machado Consultoria e Produções Artísticas. Foi presidente do Corecon-SP e do Cofecon.

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