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Artigo, Ensinamentos da História

 

Embora economista, por mais de 35 anos dediquei-me, na docência, às disciplinas do núcleo histórico do curso de ciências econômicas: História Econômica Geral, Formação Econômica do Brasil e História do Pensamento Econômico. Com isso – e com muitas leituras e cursos de extensão – fui me familiarizando cada vez mais com a história, sua metodologia, seus encantos, suas lições e suas armadilhas.

Nessa trajetória, não foram raras as vezes que me defrontei com afirmações imprecisas ou, no mínimo, questionáveis, entre as quais: “deve ser muito chato ensinar história e ter de repetir sempre a mesma coisa, dar sempre a mesma aula”; “a história é uma disciplina decorativa, que exige pouco tanto do aluno como do professor”; “a história não passa de uma visita ao passado”; ou, talvez a mais comum, “a história se repete”.

Para cada uma dessas afirmações, quando necessário, eu procurava explicar que não era bem assim, ponderando sobre a importância da história na busca de referenciais do passado para estabelecer vínculos com o presente e, dentro do possível, desenhar  cenários para o futuro. Argumentava, nessas ocasiões, que estabelecer relações de causalidade entre fatos e acontecimentos de períodos mais ou menos distantes era um dos grandes desafios do historiador.

Defrontei-me, também, com exemplos de grandes historiadores que, ao tentarem antecipar o futuro, adentrando o escorregadio campo das previsões, cometeram erros clamorosos. Um dos que me recordo com frequência, é o de Paul Kennedy, consagrado historiador britânico especializado em relações internacionais e professor da Universidade de Yale, que num se seus livros mais famosos, Ascensão e queda das grandes potências[2], publicado em 1987, ousou supor que os Estados Unidos estavam em vias de perder sua hegemonia. A capa da edição brasileira do referido livro tem a figura de um pódio, no qual a bandeira dos Estados Unidos está descendo do lugar mais alto, destinado ao primeiro colocado, sendo substituída pela bandeira do Japão.

O que a história revelou? Que pouco depois do livro ser publicado, o Japão entrou num longo período de estagnação, enquanto os Estados Unidos retomaram um vigoroso crescimento.

Por que estou fazendo essas reflexões?

Por uma razão muito simples. Quer no início da pandemia do coronavírus, dois anos atrás, quer agora por ocasião da guerra envolvendo Rússia e Ucrânia, defronto-me com afirmações peremptórias que me parecem precipitadas e inadequadas para épocas marcadas por tamanha incerteza, como bem observou Rubens Ricupero em recente evento no Instituto Fernand Braudel. Com a sabedoria acumulada em sua larga experiência como embaixador e ministro de Estado, teve humildade suficiente para reconhecer que as incertezas atuais são muito grandes para permitir qualquer conclusão antecipada sobre as consequências da guerra.

Uma visão que contrasta com manchetes e afirmações como: “A guerra muda a geopolítica” (Celso Ming, 13 de março); “Guerra marca início da era pós-americana” (Fareed Zakaria, 12 de março); “Pandemia e guerra põem a globalização em xeque” (Beatriz Bulla, 20 de março); “Não há como reconstruir as relações econômicas [da Rússia com o restante do Ocidente] quando o presidente dos EUA chama Vladimir Putin  de criminoso de guerra” (Ian Bremmer, do Eurasia Group, 20 de março); “Estamos presenciando um princípio de fim da globalização como conhecemos” (Renata Amaral, professora de Direito Internacional da American University).[3]

Já o experimentado Martin Wolf, comentarista-chefe de economia do Financial Times, posiciona-se com cautela quando se refere aos acontecimentos em curso e suas prováveis consequências. Utilizando-se com frequência do condicional, considera possível que estejamos “começando a nos mover para uma era de conflitos geopolíticos entre democracias e autocracias, que pode durar bastante tempo”[4].

Tendo vivo na memória o exemplo de Paul Kennedy, encerro meu artigo recorrendo a uma resposta de Gorbachev numa entrevista a Antonio Ribeiro, em 2008, nas páginas amarelas da Veja. Perguntado como queria que seu lugar na história fosse lembrado no futuro, respondeu: “A história é uma dama imprevisível. Não quero irritá-la, portanto vamos deixar essa pergunta para ela mesma responder”.



Luiz Alberto Machado -  Economista, graduado em Ciências Econômicas pela Universidade Mackenzie, mestre em Criatividade e Inovação pela Universidade Fernando Pessoa (Portugal), é sócio-diretor da empresa SAM - Souza Aranha Machado Consultoria e Produções Artísticas. Foi presidente do Corecon-SP e do Cofecon.

[2] KENNEDY, Paul. Ascensão e queda das grandes potências: transformação econômica e conflito militar de 1500 a 2000. Tradução de Waltensir Dutra. Rio de Janeiro: Campus, 1989.

[3] Todas as manchetes e afirmações foram publicadas em diferentes edições do jornal O Estado de S. Paulo.

[4] WOLF, Martin. “Democracias e autocracias passarão a entrar em conflito’. Entrevista a Luciana Dyniewicz. O Estado de S. Paulo, 20 de março de 2022, p. A 23.

 

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