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Direita, volver!

No início de março, o colega Rubens Figueiredo publicou o artigo O dia em que o Brasil deu seta para a direita (https://espacodemocratico.org.br/artigos/o-dia-que-o-brasil-deu-seta-para-a-direita/),  tomando por base o livro O Brasil dobrou à direita –Uma radiografia da eleição de Bolsonaro em 2018 (RJ: Zahar, 2020).

 

 A leitura do referido artigo me remeteu imediatamente ao livro Por que virei à direita (SP: Três Estrelas, 2012), no qual três intelectuais – João Pereira Coutinho, Luiz Felipe Pondé e Denis Rosenfield – explicam os motivos de sua adesão ao pensamento conservador e liberal. Os relatos dos três intelectuais são corajosos e interessantes. Porém, a meu juízo, todos eles se preocuparam mais em apontar e condenar os problemas dos princípios políticos da esquerda ou mesmo nos péssimos resultados de experiências concretas de governos de esquerda, do que em valorizar os princípios conservadores e liberais, associados no texto ao pensamento de direita.

 

 Como foi publicado em 2012, estávamos em pleno governo de Dilma Rousseff, eleita depois de dois mandatos de Luiz Inácio Lula da Silva. Portanto, numa época de forte influência do PT e das ideias de esquerda. Um contexto completamente diferente do atual, em que o Brasil – e diversos outros países – são ou foram até recentemente governados por políticos e/ou partidos claramente de direita.

 

 Nesse sentido, foi muito gratificante a leitura de A grande regressão (SP: Estação Liberdade, 2019), uma coletânea de artigos organizada por Heinrich Geiselberguer, que tem por subtítulo um debate internacional sobre os novos populismos e como enfrentá-los.

 

Embora políticos e regimes populistas existam à esquerda e à direita, todos os artigos do livro focalizam os novos populismos de direita, a brutalização da cultura política e o surgimento de demagogos autoritários.

 

A primeira coisa que me despertou a atenção foi o fato de muitos autores mencionarem em seus respectivos capítulos o clássico A grande transformação: as origens da nossa época (RJ: Campus, 1980), de Karl Polanyi, que eu havia acabado de reler. Escrito em 1944, A grande transformação é um clássico na história econômica. Como assinala Donatella dela Porta, professora de ciência política e diretora do Centre on Social Movement Studies na Scuola Normale Superiore em Florença, no capítulo “Política progressista e regressiva no neoliberalismo tardio”:

 

O neoliberalismo e sua crise podem ser entendidos dentro de um contexto que o economista político Karl Polanyi descreveu como o duplo movimento no avanço do capitalismo: primeiro a sociedade vivencia um estímulo à mercantilização, seguida pela emergência de contramovimentos que buscam a seguridade social. Em sua obra fundamental, A grande transformação, Polanyi trata da primeira onda de liberalismo, no século XIX, mas os paralelos com a transformação neoliberal ocorrida nas últimas décadas do século XX também são evidentes. Polanyi alertou contra a transformação do trabalho, da terra e do dinheiro em mercadoria, que, se não fosse reprimida, acabaria destruindo a sociedade. [...] Em sua análise, Polanyi se concentrou em uma série de formatos específicos que os contramovimentos (isto é, a mobilização de pessoas que se sentem traídas pelas mudanças tais como as produzidas pelo neoliberalismo) podem assumir. Esses contramovimentos, ele alegava, na verdade são movimentos reativos – ou seja, a postura deles é defensiva e conservadora.

 

Outo fator que me chamou positivamente a atenção no livro foi o fato de alguns autores não se limitarem a isso, mas procurarem apontar formas de enfrentar e solucionar os problemas decorrentes da adoção dessas práticas. É o caso, por exemplo, de David Van Reybrouck, escritor, dramaturgo, jornalista, arqueólogo e historiador belga. No seu capítulo intitulado “Caro presidente Juncker”, questiona, na forma de uma carta, os processos usuais de escolha dos governantes, normalmente eleições, plebiscitos e referendos, considerando-os inadequados ao momento. Para ele, “a delegação de poderes a representantes eleitos talvez tenha sido necessária no passado – quando as comunicações eram lentas e as informações, limitadas –, mas está em total descompasso com a maneira como os cidadãos interagem uns com os outros atualmente”.

 

Para corroborar sua posição, Van Reybrouck recorre a dois argumentos que estimulam a reflexão. Ambos vão ao âmago da democracia. No primeiro, toma por base o que está ocorrendo com a União Europeia, especialmente com o fenômeno do Brexit e outras ameaças de defecção.

 

O senhor sabe por que certa fase do projeto europeu chegou ao fim? Porque no passado, a União Europeia sempre esteve baseada no consenso: um consenso forjado entre s elites dominantes, que então o impunham às massas eleitorais. Mas a democracia tem menos a ver com consenso do que com conflito. E, para que ela funcione, importa menos solucionar os conflitos do que aprender a conviver com eles. A democracia procura lidar com os conflitos antes que eles degenerem em violência. Assim, em sua raiz, a democracia é a celebração do conflito – mas, no âmbito da EU, isso só acontece em doses mínimas. A leis europeias sempre pareceram mais ser fruto de acordos de cavalheiros do que produto de soluções conciliatórias a que as massas chegavam a duras penas.

 

No segundo, recorre a um acontecimento ocorrido na Irlanda e que poderia servir de exemplo para muitos outros países.

 

Vamos lá, presidente, o senhor precisa levar os europeus a sério. Deixe-os falar. Por que educar as massas se elas continuam sem poder falar? Veja o exemplo da Irlanda, a democracia mais inovadora da Europa. Há algumas semanas, um grupo de cem cidadão irlandeses, selecionados aleatoriamente, tomou posse na Assembleia dos Cidadãos. Eis aí um país que confia em seus cidadãos, em vez de temê-los. Durante um ano, eles discutirão cinco tópicos, entre os quais aborto, consultas populares e mudanças climáticas. Poderão ouvir tosos os especialistas que tenham interesse em consultar. Trata-se da segunda iniciativa desse tipo: entre 2-13 e 2014, em procedimento similar, um grupo de cidadãos irlandeses formulou recomendações de políticas públicas no tocante a ampla gama de assuntos, incluindo o casamento entre pessoas de mesmo sexo. O grupo elaborou uma proposta de reforma constitucional, posteriormente submetida a plebiscito. Foi a primeira vez na história moderna que uma Constituição foi modificada após as deliberações de uma amostra aleatória de cidadãos. Isto, sim, é praticar a democracia no século XXI.

 

Acabei me detendo apenas em dois dos dezesseis capítulos contidos no livro, o que não quer dizer que tenham sido os únicos que me agradaram. Longe disso. Diversos outros me levaram a refletir sobre as razões da proliferação de populistas de direita que chegaram quase simultaneamente ao poder em países da Europa, Ásia e Estados Unidos, como, por exemplo, Recep Tayyip Erdogan, na Turquia, Viktor Orbán, na Hungria, Andrzej Duda e Jaroslav Kaczynski, na Polônia, Narandra Modi, na Índia e Donald Trump, nos Estados Unidos. Entre os vários artigos, destaco o de autoria do búlgaro Ivan Krastev, presidente do Centro de Estratégias Liberais em Sófia, que tem o título de “Futuros majoritários” e o de Wolfgang Streeck, diretor do Instituto Max Planck, com o título de “O retorno dos reprimidos como início do fim do capitalismo neoliberal”.

 

A versão brasileira do livro inclui um capítulo final, de autoria do Prof. Renato Janine Ribeiro, intitulado “O Brasil voltou cinquenta anos em três”. Nele, Janine Ribeiro examina o que ele chama de retrocessos que tiveram lugar a partir do governo de Michel Temer e que seriam aprofundados no governo de Jair Bolsonaro (o artigo foi escrito em janeiro de 2019).

 

Num momento em que tantos temem pelo futuro da democracia no Brasil e em diversas partes do mundo, considero mais do que oportuna a leitura de A grande regressão.

 




Luiz Alberto Machado Economista, graduado em Ciências Econômicas pela Universidade Mackenzie, mestre em Criatividade e Inovação pela Universidade Fernando Pessoa (Portugal), é sócio-diretor da empresa SAM - Souza Aranha Machado Consultoria e Produções Artísticas e diretor adjunto do Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial. Foi presidente do Corecon-SP e do Cofecon.

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