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Artigo - A real história do Plano Real

Uma moeda cunhada no consenso democrático

Jovens nascidos neste século dificilmente podem compreender o que era viver no Brasil nas últimas duas décadas do século XX. Na maior parte desse período, o cenário econômico brasileiro se caracterizava por um perverso tripé que combinava estagnação prolongada, crise das dívidas (externa e interna) e inflação crônica. 

Este artigo vai se limitar ao último item deste perverso tripé: a inflação. 

Embora a inflação no Brasil tenha atingido níveis preocupantes em determinados momentos anteriores, como, por exemplo, no início da década de 1960, seus efeitos negativos eram mascarados pelas altas taxas de crescimento econômico, muito comuns no Brasil até o final da década de 1970. A década de 1980 foi uma espécie de divisor de águas, sendo conhecida na América Latina pelo nome de “década perdida”, pois com exceção de República Dominicana, Chile e Colômbia, todos os países da região tiveram crescimento negativo do PIB por habitante nesse período[1]

Com a redemocratização ocorrida em quase todos os países da região a partir de meados da década de 1980, a situação começou a mudar, pois vários dos governos que assumiram o poder priorizaram a busca da estabilidade como pré-requisito para a retomada do crescimento econômico. O Brasil, porém, ficou para trás, uma vez que a segunda metade da década de 1980 foi marcada pela sucessão de planos econômicos que fracassaram na tentativa de combater a inflação. Chamado de “quinquênio dos pacotes” por alguns analistas, esse período viu surgirem e fracassarem os seguintes planos econômicos: Plano Cruzado (fevereiro de 1986); Plano Cruzado II (novembro de 1986); Plano Bresser (junho de 1987); Plano Verão (janeiro de 1989); Plano Collor (março de 1990); Plano Collor II (janeiro de 1991). 

Em consequência do fracasso desses planos, a inflação anual atingiu a casa dos quatro dígitos no início da década de 1990, chegando a 1.178% em 1992 e 2.567% em 1993, segundo a Fundação Getúlio Vargas. 

Num artigo de 1992 do Prof. Eduardo Giannetti, há um parágrafo que retrata bem o que era viver num país com taxas de inflação como essas: “A convivência com a inflação é uma escola de oportunismo, imediatismo e corrupção. A ausência de moeda estável encurta os horizontes do processo decisório, torna os ganhos e perdas aleatórios, acirra os conflitos pseudodistributivos, premia o aproveitador, desestimula a atividade produtiva, promove o individualismo selvagem, inviabiliza o cálculo econômico racional e torna os orçamentos do setor público peças de ficção contábil”. 

O êxito do Plano Real, adotado em 1994, durante o governo do presidente Itamar Franco, quando Fernando Henrique Cardoso era o ministro da Fazenda, constitui-se, portanto, numa extraordinária conquista de todos os brasileiros, que não aguentavam mais viver num ambiente tão instável economicamente. Convém destacar que em economias com tal nível de inflação, todos são penalizados, principalmente os menos favorecidos, que não têm como se defender das perdas provocadas pela inflação por não terem acesso aos mecanismos de recomposição do valor da moeda oferecidos pelas instituições financeiras. 

O Plano Real revolucionou o cenário econômico do País ao garantir a estabilidade após um largo período de hiperinflação. A memória inflacionária, que alimentava a remarcação automática dos preços, desapareceu com a ajuda do engenhoso mecanismo da Unidade Real de Valor (URV), a moeda virtual que antecedeu o real, um feito único no mundo. 

Por essas razões, é extremamente oportuno o relançamento do livro A real história do Real da jornalista Maria Clara R. M. do Prado. Lançado em versão impressa em 2005, volta ao mercado em versão digital, e um ligeiro ajuste no título – A real história do Plano Real: uma moeda cunhada no consenso democrático – com a finalidade de manter viva esta inigualável experiência de estabilização para as jovens gerações. 

Vale a pena investir algum tempo na leitura desta grande conquista de todos os brasileiros.

 

Referências 

GIANNETTI, Eduardo. Ética e inflação. O Estado de São Paulo, 14 de julho de 1992, p. 2. 

PRADO, Maria Clara R. M. do. A real história do Real. Rio de Janeiro: Record, 2005. 

A real história do Plano Real: uma moeda cunhada no consenso democrático. E-book: e-galáxia, 2020.


[1] De acordo com a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), o crescimento médio do PIB por habitante de 1980 a 1989 foi de -8,3% (WEFFORT, Francisco. Qual democracia? São Paulo: Companhia das Letras, 1992, p. 67).  

Luiz Alberto Machado Economista, graduado em Ciências Econômicas pela Universidade Mackenzie, mestre em Criatividade e Inovação pela Universidade Fernando Pessoa (Portugal), é sócio-diretor da empresa SAM - Souza Aranha Machado Consultoria e Produções Artísticas e diretor adjunto do Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial. Foi presidente do Corecon-SP e do Cofecon.

 

 
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