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Liga de Clubes no Brasil: a ordem dos fatores na construção

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(Shutterstock)

Nesta semana o tema da formação da liga de clubes voltou à mesa. Clubes estiveram reunidos para tratar do assunto, e como nada é oficial, temos versões aqui-e-acolá sobre o resultado. Alguns mais otimistas, outros menos. Tudo normal, afinal é uma construção que está atrasada, e justamente porque não é nada simples.

Não vou entrar aqui nos detalhes da reunião, porque não participei e apenas acompanhei pelos amigos da imprensa. De tudo que ouvi, sigo acreditando que o processo ainda segue por vias tortas. Seja porque alguns disseram que havia um pré-acordo disponível para assinatura – o que teria surpreendido alguns clubes –, seja porque se falou muito em distribuição de recursos de direitos de transmissão.
Seguimos, portanto, com o rabo abanando o cachorro.

Essas conversas precisam ser organizadas e construídas com a participação de todos os clubes. É natural que haja mediadores, pessoas capazes de organizar os temas, propor regras e governança após debates internos com todos os clubes. Inclusive os da Série B. Estamos falando da criação de uma entidade que vai ORGANIZAR CAMPEONATOS e NÃO APENAS VENDER DIREITOS DE TRANSMISSÃO.

O foco das conversas parece ficar todo na questão financeira, quando o que deveria estar sendo debatido neste momento são as regras de formação: quem, como, quais as responsabilidades, qual a autonomia da liga em relação aos clubes, qual o relacionamento com a CBF…zzz.

Já falamos sobre isso algumas vezes por aqui, mas a ideia parece fixa: é preciso correr, acenar com um cheque, vender um pedaço que ninguém tem a menor condição de avaliá-lo, e depois trabalhamos com a construção do negócio.

Já que é assim, vamos falar então sobre o tema da discórdia, que é a distribuição de recursos dos direitos de transmissão.

O que foi reportado é que a proposta de futura liga brasileira, a Libra, distribuiria os valores de direitos de transmissão de forma mais equilibrada em relação ao que temos hoje. A ideia que foi leva à mesa é de que haveria divisão considerando:

• 40% do valor distribuído igualitariamente;
• 30% distribuído por performance esportiva;
• 30% distribuído por engajamento.

De cara surgiram divergências. Primeiro em relação aos percentuais de distribuição. Os divergentes preferem um modelo com 50% igualitários, 25% por performance e 25% por engajamento. Parecido com a Premier League. Digo parecido porque esta é a forma de distribuição da parcela de direitos locais da liga inglesa. Os direitos internacionais ainda foram distribuídos de forma igualitária em 20/21. A partir da 21/22 a fórmula será ligeiramente diferente: todo acréscimo em relação ao período anterior será distribuído por performance esportiva. Por exemplo:

• Em 20/21 foram distribuídos 100, com 5 para cada clube;
• Em 21/22 serão distribuídos 120. Então, 100 serão igualitários (5 para cada clubes) e 20 serão distribuídos por performance;

Além dos percentuais de distribuição, gerou discussão a questão do “engajamento”. Na proposta encaminhada por 6 clubes e ratificada por uma empresa que os assessora, a Codajas, engajamento poderia incluir (i) assinaturas de PPV, (ii) presença de público nos estádios, (iii) interações nas redes sociais, (IV) audiência da TV aberta e (v) tamanho da torcida. Claro que isso incomoda os clubes de menor apelo de público. Certamente algum tipo de benefício os clubes precisam ter, mas é algo que precisa ser discutido e calibrado. Inclusive, como proposto no documento, que indicou caminhos, mas propôs que qualquer decisão seja feita por unanimidade.

Agora vamos ao que interessa. Há algum tempo fiz simulações sobre as diferenças que haveria na distribuição dos direitos de transmissão caso adotássemos um modelo europeu. Aproveitando a oportunidade, refiz a análise.

Antes é importante dizer que os dados do Brasileirão de 2021 são estimados, pois não há uma fonte oficial que os disponibilize. Ponto de atenção para uma liga no Brasil: ser transparente em todos os critérios e informações, essencialmente as que causam descompasso financeiro, e consequentemente esportivo. Portanto, é possível que haja algum desvio, mas que não inviabiliza o exercício.

Modelo da Premier League com distribuição 40/30/30 (Fonte: autor)

Já que estamos fazendo um exercício, para o tema “Engajamento” fiz uma simulação usando (i) número de torcedores pela pesquisa Datafolha de 2019, (ii) percentual de clientes do PPV de 2020 e (iii) público presente nos estádios em 2019. Ponderado na proporção 25/50/25. O resultado está na tabela acima e o destaque da diferença entre os modelos no gráfico a seguir:

(Fonte: autor)

Veja que as maiores diferenças estão nos extremos. Há 5 clubes que deixam dinheiro na mesa, enquanto outros de menor número de torcedores, mas bom desempenho em campo, obtém valores mais relevantes. A diferença entre quem recebe mais e menos iria a 3,4 vezes, contra os 6,7 vezes de 2021.

Faremos agora o mesmo exercício, mas com diferentes percentuais de distribuição: 50% iguais, 25% por performance e 25% por engajamento.

Modelo da Premier League com distribuição 50/25/25 (Fonte: autor)

Vamos agora à tabela com as diferenças:

(Fonte: autor)

As diferenças ficam ligeiramente maiores, uma vez que a parcela igualitária aumento. E a distância entre quem recebe mais e menos cai para 2,73 vezes.

Voltamos enfim ao início: este tema ainda não deveria estar sendo discutido. Ele é importante, claro, mas é posterior ao que mais importa, que é a construção de uma competição qualificada, eficiente esportiva e economicamente, que consiga agregar valor aos clubes, torcedores e parceiros. Até para poder efetivamente avaliá-la da forma mais justa para todos.

O caminho mais curto entre dois pontos no futebol brasileiro costuma não ser uma reta.

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