Topo

Commodities agrícolas: ainda fortes ou no fim do ciclo de alta? Confira a opinião de analistas e o impacto nas ações

Produção de soja, commodities, agricultura
(fotokostic/GettyImages)

SÃO PAULO – Os preços das commodities agrícolas, em especial grãos como a soja e o milho, dispararam ao longo do primeiro semestre de 2021, o que teve impacto disseminado na economia brasileira. Tanto efeitos positivos, uma vez que o Brasil tem o perfil de exportador dessas commodities, quanto negativos, pois a inflação de alimentos e o setor de frigoríficos acabaram sentindo essa valorização.

A dúvida hoje é se essa trajetória de incremento nos valores dos grãos irá continuar pelos próximos meses ou se o superciclo já acabou.

Em números, é importante ressaltar que a soja teve um aumento de 12,9% no seu valor desde o fim do ano passado, atingindo R$ 173,75 a saca de 60 kg no fechamento da terça-feira (16) segundo dados da Esalq/BM&F Bovespa. O milho se valorizou ainda mais, acumulando ganhos de 27,01% até ontem, a R$ 99,89 a saca de 60 kg.

 

Segundo Leonardo Alencar, analista da XP, o cenário atual não permite análises de queda no preço de grãos até 2022. “A colheita de milho da safrinha [com plantio nos meses de fevereiro e março depois da colheita da safra principal] teve sucessivas revisões para baixo e como o preço está muito alto, há previsões até de possibilidade de aumento na importação de milho”, explica.

A estiagens e as ondas de frio recentes fizeram com que a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) revisasse suas projeções para a safra total de 2021, que de recorde histórico agora é estimada em queda de 1,2% ante a anterior, totalizando 253,98 milhões de toneladas.

Para Alencar, esperar um fim no ciclo de alta de grãos e outras commodities agrícolas até 2022 enquanto a demanda global se recupera dos impactos do coronavírus e os efeitos climáticos adversos estão cada vez mais presentes é, no mínimo, temerário.

“Não vejo queda em 2022. Os preços devem, no máximo, mostrar acomodação até lá. Esperar queda, com os riscos climáticos atuais, está cada vez mais arriscado”, defende.

Essa avaliação é oposta à da equipe de análise do Bradesco BBI, que acredita que as commodities agrícolas estão no fim do seu ciclo de valorização.

O analista Leonardo Fontanesi escreve em relatório que historicamente os preços de commodities agrícolas têm ciclos de alta (como o que vem ocorrendo de 2019 a 2021) de dois anos, em média, com um incremento de aproximadamente 20% ao ano no valor de cada grão, ao passo que os ciclos de queda duram, em média, três anos e meio e os preços caem em torno de 10% ao ano.

 

“Esperamos um declínio de 30% nos preços de produtos agrícolas até 2024, ao mesmo tempo em que o consenso da Bloomberg projeta uma retração de 15%”, ressalta Fontanesi.

Os motivos para essa previsão não são meramente estatísticos. O analista do Bradesco BBI considera provável que a China corte importações de produtos agrícolas até 2022 depois dessas compras avançarem 50% nos últimos dois anos.

“Este aumento nas importações ocorreu porque a China dobrou seu número de criação de porcos nos últimos dois anos, depois de perder animais para a peste suína africana de 2018, e precisava comprar comida para alimentá-los. A população de suínos da China é relevante para a agricultura global porque a carne de porco é de longe a proteína mais importante do país e as necessidades de ração da China são responsáveis ​​por aproximadamente 15% da demanda global de trigo, milho e soja”, destaca o Bradesco.

Todavia, desde junho de 2021, as margens da indústria de suínos chinesa se tornaram negativas com um excesso de oferta de porcos e custos mais altos de grãos. “Nós estimamos que os preços do milho na China (correlacionados com os EUA e o Brasil) têm que cair de 20% a 30% para que as margens voltem a convergir para a média histórica.”

A questão do plantel de suínos da China, por outro lado, não existe sem algum grau de controvérsia. Leonardo Alencar diz ver com ceticismo esse anúncio do país de que repôs os rebanhos perdidos durante a epidemia da febre suína.

“Na nossa leitura, o preço deve começar a subir novamente. Nos últimos tempos, os pecuaristas chineses voltaram a abater animais com medo da peste. Teremos ainda aquela demanda extraordinária que ocorre no ano-novo chinês [em 1º de fevereiro] e a população do país está consumindo cada vez mais carne, inclusive proteínas de origem mais diversificada, graças ao aumento da renda”, argumenta.

A opinião do analista da XP é que os preços cairiam apenas se a demanda recuasse devido a um recrudescimento da pandemia, mas que nem isso é certo, pois as últimas ondas da Covid-19 foram mitigadas pelo suporte de programas governamentais.

Na linha dessas projeções mais otimistas com grãos, a equipe de análise do Bank of America comenta que a Balança Comercial brasileira mostrou que as exportações de alimentos no segundo trimestre foram muito fortes em todos os quesitos, com os preços em dólares avançando dois dígitos na comparação com o mesmo período do ano passado.

 

“O bom desempenho vem na hora certa, conforme as empresas sofrem no mercado doméstico com um desafiador pass-through [impacto da depreciação da moeda local na inflação] para os consumidores e custos em alta”, escrevem os analistas Guilherme Palhares e Isabella Simonato.

Para o segundo semestre deste ano, a equipe do BofA espera que a demanda chinesa e a reativação da cadeia global de serviços alimentícios sejam os principais catalisadores para volumes e preços, providenciando um impulso para a atual inflação de custos.

Frigoríficos sofrem

Enquanto empresas que vendem commodities agrícolas como SLC (SLCE3), Brasil Agro (AGRO3) e Terra Santa ([ativo=LAND3]) se beneficiam desse quadro de elevações no valor de grãos, frigoríficos como JBS (JBSS3), Marfrig (MRFG3), Minerva (BEEF3) e, principalmente BRF (BRFS3), são impactadas negativamente.

Alencar destaca que aves e suínos têm alimentação quase que 100% composta de rações de milho e de farelo de soja. Como a BRF é a companhia do setor mais posicionada na venda de carne de aves e porcos, acaba sendo a mais afetada.

Marfrig e JBS, por sua vez, sofreriam impactos menores, pois o uso de grãos na dieta do boi ocorre apenas quando ele está em confinamento e as duas empresas têm ainda um outro trunfo, que são suas operações nos Estados Unidos.

“O cenário americano é de boa oferta e bons preços, com uma demanda muito aquecida nesta retomada pós-Covid. O maior problema para essas empresas no Brasil atualmente não é nem tanto o aumento dos custos como a demanda pressionada”, afirma.

Vale lembrar que no segundo trimestre de 2021, a Marfrig teve seu melhor desempenho histórico, lucrando R$ 1,7 bilhão, alta de 9% na comparação com o mesmo período do ano passado, com um resultado impulsionado pelos EUA.

A operação dos Estados Unidos, de acordo  analistas da XP, foi responsável por 96% do Lucro Antes de Juros, Impostos, Depreciações e Amortizações (Ebitda, na sigla em inglês) total da Marfrig. O preço do gado aumentou 12% na comparação anual, mas o preço da carne bovina veio em linha com o segundo trimestre de 2020 e os spreads caíram 8,9%, algo que os analistas da casa veem como positivo.

 

A JBS, por sua vez, teve lucro líquido recorde de R$ 4,4 bilhões no 2º trimestre. Na teleconferência de resultados, o CEO da companhia, Gilberto Tomazoni, apontou que o custo de produção dos animais vivos aumentou com a alta dos preços dos grãos, porém que a redução do volume de carne suína produzida, que foi impactada pelas condições climáticas e pela escassez de mão de obra combinada com o crescimento da demanda acima do esperado, impulsionaram o preço deste tipo de carne no mercado doméstico.

Já a BRF teve prejuízo líquido de R$ 199 milhões no trimestre, revertendo um lucro de R$ 307 milhões na base anual.

Na teleconferência de resultados, Lorival Luz, CEO da empresa, disse que cada vez mais o custo médio do estoque de grãos ou de outros insumos e matérias-primas da empresa vão aumentar. “Com os desafios desta safra e das próximas, de forma geral o custo de produção – e é visto já na margem do produtor – chegará a todas as empresas, todas as indústrias. O que traz a necessidade que exista o reequilíbrio sustentável da nossa operação”, defendeu.

Segundo o CEO, o caixa de R$ 9 bilhões do frigorífico, combinado com um valor relativamente baixo de vencimentos de curto prazo (R$ 700 milhões em 2021), permitem que impactos como o do atual patamar dos preços de grãos sejam mitigados.

“A companhia está absolutamente preparada, robusta, com uma liquidez financeira, suficiente para que atravessemos esse segundo semestre mesmo com um aumento de grãos, o aumento de custos que tivemos”, assegurou.

Falando especificamente do mercado de carne, o BofA ressalta que apesar da baixa disponibilidade de gado e da queda de 7% em volumes na comparação anual durante o segundo trimestre, os preços atingiram recordes históricos em junho.

“Em junho, os preços de carne bovina chegaram a US$ 5,20 por kg, valor 21% superior ao registrado no mesmo mês do ano passado e 5% acima de maio”, destacam os analistas. Para eles, essa sequência de valorizações levou os preços no segundo trimestre a subirem 14% em dólar e 11% em reais.

“Nós acreditamos que uma performance assim poderia ser em larga medida explicada por uma crescente demanda da China depois que plantéis de porcos foram abatidos. A reativação do canal de serviços alimentícios e restrições de oferta tanto na Austrália quanto no Brasil devem continuar provocando alta de preços”, explica o BofA.

O banco lembra que as margens de exportação de carne atingiram uma média de 15% no segundo trimestre, estável na comparação com o trimestre anterior apesar do aumento de 5% no preço médio do gado.

Já o mercado de aves, segundo os analistas, foi destaque pelos fortes volumes e preços. O volume diário médio bateu 12,1 mil toneladas em junho, em um crescimento de 13% em relação ao segundo trimestre de 2020, ao mesmo tempo em que os preços em dólares aumentaram em 4%.

“A demanda internacional por aves deve se beneficiar diretamente da recuperação do canal de serviços alimentícios, especialmente na região do Oriente Médio, onde o consumo depende do turismo”, escreve a equipe do BofA.

Entretanto, o banco aponta riscos no horizonte vindos da Arábia Saudita, que representa 14% do mercado externo de aves do Brasil. O país tem banido importações de diversos frigoríficos.

Já em suínos, as exportações de carne de porco tiveram, segundo o BofA, mais um ótimo mês, com os volumes crescendo 11% na comparação mensal em junho e 12% na base anual, tornando-se o melhor mês da história em termos de volumes exportados pelo Brasil, em mil toneladas por dia.

“Os preços em dólar ficaram estáveis na comparação mensal em junho, mas cresceram 21% na comparação anual, totalizando US$ 2,60 por kg. No segundo trimestre, os volumes se expandiram em 25% na base trimestral e os preços melhoraram em aproximadamente 5% na mesma base, implicando um sonoro crescimento de 11% em relação ao mesmo período de 2020.”

Para os analistas, esse desempenho comprova a opinião do banco de que apesar da China estar recompondo o seu plantel de porcos, a produção ainda está baixa devido aos mais baixos níveis de rentabilidade da carne.

“Esperamos que a demanda continue forte no segundo trimestre depois da liquidação de estoques que ocorreu no primeiro semestre na região, o que beneficia exportadores brasileiros.”

Fonte : Infomoney

Tags:

FENECON - Federação Nacional dos Economistas  
Rua Marechal Deodoro, nº 503, sala 505 - Curitiba - PR  |  Cep : 80.020-320
Telefone: (41) 3014 6031 e (41) 3019- 5539 | atendimento: de 13 às 18 horas | trevisan07@gmail.com e sindecon.pr@sindecon-pr.com.br